domingo, 27 de julho de 2008

Entre Dois Quartos e confissões


Portugal gosta de Ana e Ana gosta de Portugal. Um caso sério de amor que deixou crivo no Alto da Ajuda e rendeu ao Festival Delta Tejo, do último fim-de-semana, uma das maiores enchentes. Na ressaca do arrepio que confessou diante da interminável ovação, a cantora resolveu-se a mais uns dias entre nós. Entre dois quartos, o olhar recto dos homens e as complicações das mulheres, falou de si e das muitas formas como o mundo lhe chega a pedir para ser traduzido na métrica de canções 'para comer com dez talheres'

No último fim-de-semana, a sua actuação foi considerada uma das melhores do Festival Delta Tejo e a que mais público atraiu ao Alto da Ajuda. Apesar do poder vocal que lhe conhecemos, houve momentos em que aquelas 20 mil pessoas a atropelaram. Esperava tanta animosidade?

Eu fiquei superarrepiada. Tinha um número em que eu saía do palco e regressava. Aí, quando eu voltei, precisava de dizer uma coisa e fiquei esperando a luz acender, mas as pessoas começaram a aplaudir, aplaudir, aplaudir… eu não conseguia dizer nada. Fiquei muito emocionada. Foi lindo: uma experiência única e inesquecível para mim. Eu quero voltar, quero poder fazer outros shows aqui. A partir do momento em que as minhas canções atribuem sentido à vida daquelas pessoas, aquelas pessoas atribuem sentido à minha vida também. Foi uma troca incrível. O pessoal cantou forte, cantou a plenos pulmões e isso foi muito lindo.

E cantou não só êxitos de álbuns anteriores, como os deste último Multishow, Dois Quartos, que ainda não tinha cá chegado ao vivo.

Exactamente. Isso foi uma coisa que me chamou muito a atenção: as pessoas cantando as canções do dois quartos, do disco novo. Fiquei muito impressionada. Muito, muito feliz de ser entendida dessa maneira assim, por aquelas pessoas ali, com essa compreensão. É incrível.

Foi muito complicado colocar as projecções do seu DVD no Alto da Ajuda, ao ar livre?

A minha produção suou um pouquinho. Mas eu sempre peço pra colocar porque sobretudo em duas canções, Nada Te Faltará e Cristo de Madeira, que eu acho fundamental ter essa sequência em fundo. Aqueles vídeo hall tinham que estar lá: não abri mão.

E também é assim na vida?

Atrás desse bom senso tem que ter a sua vontade, o seu querer. Podemos querer muito uma coisa, mas nem todo o mundo tem os mesmos interesses. Então às vezes a gente é sozinho e precisa de ter muita garra e muita força pra conseguir as coisas. Isso vai um recado aí. Pra quem tá em dúvida. Persista!

Aquele público de culto que primeiro teve - em barzinhos - sentiu-se muito atraiçoado quando começou a ter que a partilhar com uma multidão de fãs?

Até hoje é difícil falar nisso porque o meu público é muito dividido. De um lado são as pessoas mais radicais…

Que apreciam o seu lado mais intempestivo e rebelde, podemos dizer assim?

… Exactamente assim. Que gostam de um lado mais radical, de cantar coisas difíceis, de entender e fora do padrão. E tem um público do homem e da mulher comum, que gosta de escutar uma música na rádio, casualmente gosta de uma ou outra música minha que está tocando, que se encontra entre as letras e por entre aquelas histórias.

No último álbum existem canções mais interventivas. Já não só do lado dos afectos, das dores do coração ou das alegrias que ele nos dá, mas também de um ponto de vista social. Anda importada em olhar mais à frente do coração?


Na verdade sempre tive uma preocupação social importante, não colocada no trabalho. Agora aconteceu casualmente. Acho que me senti um pouquinho mais madura para tocar nesses assuntos. Antes eu não poderia porque não saberia como fazê-lo. Hoje em dia estou mais segura para tocar nesses aspectos.

Aproveitando que não tem medo das palavras ou sequer do que elas querem dizer, as pessoas tentam mobilizá-la para ser carro de assalto das grandes causas?

A gente vê vários casos por aí de parceiros que são casados uma vida inteira e quando um vem a falecer o outro não pode sequer ficar com aquilo que ele ajudou a construir porque vai tudo para a família e às vezes a família é preconceituosa e faz questão de tirar tudo do outro. Eu fico realmente muito triste com isso. Enquanto eu tiver oportunidade eu vou continuar lutando para que a união civil aconteça no Brasil.

Nos seus momentos mais afirmativos e de maior ousadia durante o Delta Tejo, o público português manifestou-se e reagiu bastante. Teve essa percepção do palco?

Tive, sim. E fiquei muito contente porque as pessoas estão cada vez mais abertas com esse tipo de liberdade musical. Não vejo porquê ter algum tipo de preconceito. Estamos no ano de 2008. Já foi o tempo em que esse tipo de rejeição fazia algum sentido na cabeça das pessoas. Hoje em dia acho que não tem muito mais isso. Sinto as pessoas bem mais abertas para as coisas. Mesmo as pessoas que não têm a iniciativa de… enfim, abraçar essas causas, as pessoas não estão mais tão incomodadas com isso. Ou passa batido ou às vezes até as pessoas apoiam.

A ideia de voltar a debater ideias num programa de televisão, como o Saia Justa que passava no GNT, agrada-lhe?

O Saia Justa foi uma experiência única: as meninas são únicas, a gente se divertia bastante e rolavam ideias interessantes. O melhor foi a amizade e até somos muito próximas Sim, gostava de ainda voltar a discutir algum tema lá. Vamos ver...

O que é que lhe dá mais prazer: discutir entre mulheres ou entre homens?

A mulher é um ser mais prolixo…

… Isso é uma maneira simpática de nos chamar complicadas?

(Risos) Gosto da complicação. As mulheres têm mais arabescos, têm vários olhares sobre uma mesma questão, têm uma histeria, isso tudo me agrada muito. Ao passo que o homem,tem um olhar simplista, recto, que é muito interessante. É original. Eu gosto desse olhar sem muita paciência para abrir muito sobre as coisas. Os meus melhores amigos são homens. O homem, ele limpa rápido uma história. Ele limpa, limpa, limpa, chega no objectivo da coisa e diz: é isso. Eu acabei escolhendo os homens para uma amizade muito profunda porque eu gosto muito dessa objectividade. Mas não quero ficar sem…!

… as mulheres ou as suas complicações?

Ambas. Eu gosto muito, muito delas.

Fonte: Jornal Distak, 25 de julho de 2008

2 comentários:

lucia bortoli disse...

Fiquei super feliz, ao saber que a Ana Carolina arrasou em Portugal. Sinceramente, eu não esperava outra reacao das pessoas, mesmo fora do Brasil. Adoro este blog e, particularmente, adorei esta matéria, principalmente, quando a Aninha se refere às mulheres, de modo geral, como encantadoras criaturas complicadas, tão misteriosas e tão atraentes, ao mesmo tempo. Ela é mesmo uma fiel tradutora da alma feminina e isso fica muito claro em diversas cancoes que interpreta, tao magistralmente. De fato, as mulheres sao fabulosas, sensíveis e apaixonantes e Aninha é a mais perfeita voz da alma feminina, que se tem noticia, no mundo da musica, hoje em dia. Aninha, te amo!Sou louca por voce e por seu trabalho.Seja completamente feliz, hoje e sempre, em tudo.

Unknown disse...

Sucesso além do mar......
Coisa linda!!!
Amo³³³

Valeu, Kíssila! ;)