sábado, 19 de setembro de 2009
Antonio Villeroy comenta sobre 'Nove' em seu blog. Confira!
Depois escutei o disco da Ana, que ainda não tinha tido tempo de ouvir com calma. Sempre gosto de tomar uma distância dos projetos que tenho envolvimento pra poder apreciá-los de fora, sem muito comprometimento. Pois na viagem pude escutá-lo bastante e prestar mais atenção nas letras e arranjos. Achei o disco denso, cheio de sutiliezas.
Gosto do jeito como ele principia, com arranjo tanguístico à Bajafondo, o que confirma essa influência porteña sobre o seu trabalho. Do ponto de vista das letras, gosto mais a partir da 3ª faixa, porque começa a fugir do universo dos amores mal resolvidos, dos telefonemas não atendidos das duas primeiras músicas que são temas já recorrentes na obra da Ana. (Cobradores de plantão: friso que gosto mais das letras a partir da 3ª faixa mas não que desgoste das primeiras!)
A propóstio também gostaria de frisar que com exceção de alguns versos de Entreolhares, não fiz letras para esse disco. Colaborei mesmo foi com as melodias de Tá Rindo é? (refrão) e Entrolhares (toda música). Aliás esse foi o disco de Ana que menos colaborei, por questões de agenda, pois na época da definição do repertório estive em tourné na Europa e envolvido com a trilha de um filme. O que foi bom, porque assim Ana também incorporou o talento de Chiara que trouxe mais diversidade ao seu trabalho.
Achei incrível a produção de Caldato e Kassim para os sambas. Escolheram muito bem em colocar o João Paraíba na bateria e percussão. Pra quem não sabe, esse cidadão integra o Trio Mocotó, com o qual Jorge Benjor (então Jorge Ben) começou sua carreira nos anos 60. Muito legal toda a sonoridade de teclados do Donatinho e o arranjo de sopros do Philippe Pineau em Ta Rindo é?
Entreolhares com John Legend tem uma aura de Bilboard (parada de rádios americana). Uma música que pode conquistar pessoas de todos continentes e que pode alçar Ana para uma carreira internacional. Isso também graças à muito boa produção de Alê Siqueira, com os metais de Lincoln Olivetti e a sensacional participação de Legend, que muita gente pensou ser Stevie Wonder. Ana disse que foi a um show dele em Atlanta, muito bombado! A voz dos dois combina bem e sempre que ouço no rádio se integra bem na paisagem.
Era, pra mim é a síntese, não do disco, mas da própria Ana Carolina, como artista e como pessoa. É a música mais forte do álbum na minha opinião. Revela um traço da Ana que já tinha aparecido em seu segundo disco com O Rio e que foi salientado também no Estampado com 2 Bicudos (essa de minha autoria, mas feita especialmente pra ela). Com Era Ana reafirma e vai mais além nessa sua identificação com o mundo hispânico, mais propriamente com a região da Andaluzia, onde os guizos da vida soam (soaram) nas caravanas dos ciganos e árabes que lá chegaram e instalaram suas paixões e sua cultura. A letra é uma das melhores de todas que conheço pela mão da Carol. É um testemunho de sua vida contada de forma muito inteligente, sucinta e ao mesmo tempo rica em poesia. Na primeira parte ela se coloca como alguém que não é dona do seu destino como se não tivesse livre arbítrio ou não soubesse usá-lo. Como se ainda estivesse na inocência, não do paraíso, mas da sua infância psicológica, não individuada, onde tudo o que lhe acontece vem pela mão de um destino que ela não controla ou de terceiros a quem ela culpa. Em determinado momento, quando fala de seus sonhos, faz lembrar o universo de imagens surrealistas de Salvador Dali e Luis Buñuel. A curra sem perdão contra a qual ela nada pode e as velhas mortas que se arrastam pelo chão como metáfora de tudo o que é impotência e decrepitude, remete a certas imagens do filme Um Cão Andaluz, dos já respectivamente citados pintor e cineasta, ambos daquela mesma região da Espanha cujos óleos parecem lubrificar o maquinário da canção carolínica. Esse filme foi, se não me engano, o primeiro da estética surrealista e a mais importante colaboração entre os dois artistas.
Na segunda parte da canção, sua autora toma as rédeas de sua vida. Pra mim o marco dessa mudança na vida real foi o acidente que Ana sofreu em 2001 com seu carro na Barra da Tijuca. A partir desse momento ela faz girar a roda, (no baralho do tarô a Roda da Fortuna), afirmando-se como filha do amor, não de Deus nem do diabo. Quer dizer saindo do confronto dos contrários, escapando do dualismo para colocar-se num tempo eterno sem começo, meio ou fim. Embora a Ana não conheça Gnose, foi com pensamentos gnósticos que construiu essa canção, não só racionalmente, mas, principalmente através de uma intuição e um contato direto com os conteúdos do seu inconsciente, simbolizados na canção pelas altas ondas que a puxam em alto mar, clara metáfora Junguiana para os aspectos profundos do ser e ao mesmo tempo uma alusão à deidade feminina em uma de suas multiplas formas.
Ontem estivemos juntos, fui na sua casa pra resolver duas letras que ela estava fazendo com Chiara e lhe falei sobre Era em cujos versos havia coisas muito significativas que talvez nem ela mesmo ainda tivesse atentado. Isso acontece com todo mundo. Igmar Bergman dizia que, ao escrever um roteiro, primeiro lançava as suas flechas (as idéias vindas espontaneamente e sem filtro) e depois mandava um exército (sua mente racional) para recuperá-las, ou seja reiterpretá-las à luz do seu engenho. Muitas vezes isso acontece quando fazemos música.
Portanto, acho que acho que Era é a radiografia mais fiel da minha amiga AC. E aos poucos ela mesma fará interpretações ainda mais profundas e precisas do que testemunhou ali.
Gosto muito de 8 Histórias e destaco a frase “todas as moças são partes que encontrei em mim”, como se essas moças fossem ou ela mesma, ou projeções que ela fazia espelhando-se nas outras pessoas. Na letra em italiano Chiara fala de homens no lugar de mulheres. Elas me disseram que a parceria foi muito fortalecida pela possibilidade de compor nas duas línguas, que uma inspirava a outra e empurrava a criação.
O mesmo aconteceu com Resta, que exibe bem a maestria de cada uma na arte de fazer letras e melodias (Chiara a primeira parte e Ana o refrão). Torpedo reforça a presenca de Mombaça e inaugura a parceria com Gilberto Gil o que confere ao disco um caráter mais aberto, mais integrado à tradição da música brasileira.
Por fim, Traição mais uma música com Chiara, onde me chamou muito atenção o peso poético da frase: “o céu caiu, sem estrelas, sem deus”.
Além da bela canção de tons jazzísticos bem pincelados pelo piano de Daniel Jobim (neto de Tom) ainda temos a maravilhosa Esperanza Spalding brilhando nos agudos em contraste com os belos graves da voz de Ana.
No dia 9 estive no pocket show de aniversário e já pude comprovar o poderio do que vem por aí. Banda muito boa e bem integrada com a cantora. Vai dar muito pé!
Fonte: http://acameraquefilma.blogspot.com/
Gosto do jeito como ele principia, com arranjo tanguístico à Bajafondo, o que confirma essa influência porteña sobre o seu trabalho. Do ponto de vista das letras, gosto mais a partir da 3ª faixa, porque começa a fugir do universo dos amores mal resolvidos, dos telefonemas não atendidos das duas primeiras músicas que são temas já recorrentes na obra da Ana. (Cobradores de plantão: friso que gosto mais das letras a partir da 3ª faixa mas não que desgoste das primeiras!)
A propóstio também gostaria de frisar que com exceção de alguns versos de Entreolhares, não fiz letras para esse disco. Colaborei mesmo foi com as melodias de Tá Rindo é? (refrão) e Entrolhares (toda música). Aliás esse foi o disco de Ana que menos colaborei, por questões de agenda, pois na época da definição do repertório estive em tourné na Europa e envolvido com a trilha de um filme. O que foi bom, porque assim Ana também incorporou o talento de Chiara que trouxe mais diversidade ao seu trabalho.
Achei incrível a produção de Caldato e Kassim para os sambas. Escolheram muito bem em colocar o João Paraíba na bateria e percussão. Pra quem não sabe, esse cidadão integra o Trio Mocotó, com o qual Jorge Benjor (então Jorge Ben) começou sua carreira nos anos 60. Muito legal toda a sonoridade de teclados do Donatinho e o arranjo de sopros do Philippe Pineau em Ta Rindo é?
Entreolhares com John Legend tem uma aura de Bilboard (parada de rádios americana). Uma música que pode conquistar pessoas de todos continentes e que pode alçar Ana para uma carreira internacional. Isso também graças à muito boa produção de Alê Siqueira, com os metais de Lincoln Olivetti e a sensacional participação de Legend, que muita gente pensou ser Stevie Wonder. Ana disse que foi a um show dele em Atlanta, muito bombado! A voz dos dois combina bem e sempre que ouço no rádio se integra bem na paisagem.
Era, pra mim é a síntese, não do disco, mas da própria Ana Carolina, como artista e como pessoa. É a música mais forte do álbum na minha opinião. Revela um traço da Ana que já tinha aparecido em seu segundo disco com O Rio e que foi salientado também no Estampado com 2 Bicudos (essa de minha autoria, mas feita especialmente pra ela). Com Era Ana reafirma e vai mais além nessa sua identificação com o mundo hispânico, mais propriamente com a região da Andaluzia, onde os guizos da vida soam (soaram) nas caravanas dos ciganos e árabes que lá chegaram e instalaram suas paixões e sua cultura. A letra é uma das melhores de todas que conheço pela mão da Carol. É um testemunho de sua vida contada de forma muito inteligente, sucinta e ao mesmo tempo rica em poesia. Na primeira parte ela se coloca como alguém que não é dona do seu destino como se não tivesse livre arbítrio ou não soubesse usá-lo. Como se ainda estivesse na inocência, não do paraíso, mas da sua infância psicológica, não individuada, onde tudo o que lhe acontece vem pela mão de um destino que ela não controla ou de terceiros a quem ela culpa. Em determinado momento, quando fala de seus sonhos, faz lembrar o universo de imagens surrealistas de Salvador Dali e Luis Buñuel. A curra sem perdão contra a qual ela nada pode e as velhas mortas que se arrastam pelo chão como metáfora de tudo o que é impotência e decrepitude, remete a certas imagens do filme Um Cão Andaluz, dos já respectivamente citados pintor e cineasta, ambos daquela mesma região da Espanha cujos óleos parecem lubrificar o maquinário da canção carolínica. Esse filme foi, se não me engano, o primeiro da estética surrealista e a mais importante colaboração entre os dois artistas.
Na segunda parte da canção, sua autora toma as rédeas de sua vida. Pra mim o marco dessa mudança na vida real foi o acidente que Ana sofreu em 2001 com seu carro na Barra da Tijuca. A partir desse momento ela faz girar a roda, (no baralho do tarô a Roda da Fortuna), afirmando-se como filha do amor, não de Deus nem do diabo. Quer dizer saindo do confronto dos contrários, escapando do dualismo para colocar-se num tempo eterno sem começo, meio ou fim. Embora a Ana não conheça Gnose, foi com pensamentos gnósticos que construiu essa canção, não só racionalmente, mas, principalmente através de uma intuição e um contato direto com os conteúdos do seu inconsciente, simbolizados na canção pelas altas ondas que a puxam em alto mar, clara metáfora Junguiana para os aspectos profundos do ser e ao mesmo tempo uma alusão à deidade feminina em uma de suas multiplas formas.
Ontem estivemos juntos, fui na sua casa pra resolver duas letras que ela estava fazendo com Chiara e lhe falei sobre Era em cujos versos havia coisas muito significativas que talvez nem ela mesmo ainda tivesse atentado. Isso acontece com todo mundo. Igmar Bergman dizia que, ao escrever um roteiro, primeiro lançava as suas flechas (as idéias vindas espontaneamente e sem filtro) e depois mandava um exército (sua mente racional) para recuperá-las, ou seja reiterpretá-las à luz do seu engenho. Muitas vezes isso acontece quando fazemos música.
Portanto, acho que acho que Era é a radiografia mais fiel da minha amiga AC. E aos poucos ela mesma fará interpretações ainda mais profundas e precisas do que testemunhou ali.
Gosto muito de 8 Histórias e destaco a frase “todas as moças são partes que encontrei em mim”, como se essas moças fossem ou ela mesma, ou projeções que ela fazia espelhando-se nas outras pessoas. Na letra em italiano Chiara fala de homens no lugar de mulheres. Elas me disseram que a parceria foi muito fortalecida pela possibilidade de compor nas duas línguas, que uma inspirava a outra e empurrava a criação.
O mesmo aconteceu com Resta, que exibe bem a maestria de cada uma na arte de fazer letras e melodias (Chiara a primeira parte e Ana o refrão). Torpedo reforça a presenca de Mombaça e inaugura a parceria com Gilberto Gil o que confere ao disco um caráter mais aberto, mais integrado à tradição da música brasileira.
Por fim, Traição mais uma música com Chiara, onde me chamou muito atenção o peso poético da frase: “o céu caiu, sem estrelas, sem deus”.
Além da bela canção de tons jazzísticos bem pincelados pelo piano de Daniel Jobim (neto de Tom) ainda temos a maravilhosa Esperanza Spalding brilhando nos agudos em contraste com os belos graves da voz de Ana.
No dia 9 estive no pocket show de aniversário e já pude comprovar o poderio do que vem por aí. Banda muito boa e bem integrada com a cantora. Vai dar muito pé!
Fonte: http://acameraquefilma.blogspot.com/
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