Filme de Bettie Page em show de Ana Carolina gera escândalo
Um trecho do poema "É impróprio ser famoso", do escritor russo Bóris Pasternak, escolhido por Ana Carolina para o roteiro de seu novo show, "Dois Quartos", diz que "o que é preciso rever é o destino, não antigos papéis/Lugares e capítulos de uma vida inteira". E a cantora leva sua vida seguindo este preceito, construindo sua história sem pensar no que suas atitudes possam acarretar em sua carreira. Se por um lado isso faz dela uma artista engajada, por outro provoca algumas confusões. Foi assim há três semanas em Belo Horizonte, na estréia de sua nova turnê. Mais que letras picantes como as de "Eu comi a Madona" ("com um N só para n dar processo"), um vídeo dos anos 50 com a atriz Bettie Page (famosa na época por fotos e filmes de caráter sadomasoquista) em cenas sensuais com outra mulher, causou certo espanto na platéia mineira e o boato, ampliado pela internet, de que ela mudaria parte do show que chega ao Canecão carioca no dia 19 de julho. Ela nega que vá fazer qualquer mexida no roteiro.
_ Bettie Page foi uma atriz muito famosa que utilizava em seus filmes o bondage, uma técnica milenar de amarrar o parceiro. Foi uma revolucionária, uma mulher à frente do seu tempo. A Madonna teve a idéia do "Erótica" (quinto álbum da cantora americana, de 1992) a partir da história dessa moça - conta. - Foi uma coisa bem-humorada. Estamos em 2007. Curioso acharem imagens dos anos 50 pornográficas.Pornográficos são os políticos e suas armações. Fico escandalizada é com a troca de tiros entre polícia e bandidos na favela matando inocentes.
Cantora lamenta discussão na rede
Ana Carolina não esconde que ficou chateada com a repercussão das imagens, principalmente por considerar menos impactantes que a dos outros 2 vídeos exibidos no show durante as músicas "Cristo de Madeira" (com imagens religiosas) e "Nada te faltará" (com cenas de passeatas).-O curioso é que nenhum jornalista carioca foi ao show. Faço questão que eles, os críticos e o público dêem a sua opinião.Quero que digam por eles mesmos, e não por essa turma da internet que não mostra a cara nem o coração - desabafa.A cantora acredita que a função do artista é justamente a de "lutar contra determinados pudores bobos".-Esse papo de homossexualismo é antigo.Até porque muita gente já falou sobre isso antes de mim.Quando dei uma entrevista à revista "Veja" falando sobre minhas preferências bissexuais, foi natural, sem proselitismo
Show tem releituras de Madonna e Marina Lima
Cantora toca piano em público pela primeira vezApesar de achar a discussão sobre preferências sexuais anacrônica, Ana Carolina diz ser importante falar sobre o tema para "abrir a cabeça de algumas pessoas". Para ela, a relação entre iguais é muito natural para uma boa parcela da sociedade.- Meu público vai dos 13 aos 70 anos.Posso até modificar o pensamento das pessoas, mas não sou capaz de transformar niguém em nada. Hoje você vai na Lapa e as meninas fazem o modelito lesbian chic para atrair a atenção justamente dos garotos.Nesse caso é até um fetiche.Mas a cantora prefere dar um ponto final na discussão para que o foco seja o show.Com a direção de Monique Gardenberg, para Ana Carolina uma integrante do seleto time das melhores diretoras com que trabalhou, ela abre de maneira singela, tocando apenas um baixo elétrico, acompanhada por vocais e marcações nos dedos de seus músicos. Depois, como ela mesma define, vem o soco no estômago:- Quando entra "Eu comi a Madona", o show pega fogo. Em Minas, um repórter de um jornal do interior me perguntou se era verdade. Eu respondi: "É claro!", e morri de rir.A cantora diz que não se fia em seus sucessos e que seu público fiel, quando pede música, sempre pede alguma menos conhecida, para ela sinônimo de comprometimento com seu trabalho. Por isso ela sempre procura agradar a sua platéia com inovações. Em "Dois Quartos", por exemplo,ela relê "Três", do repertório de Marina Lima; interpreta "Fever", de Madonna; e toca piano pela primeira vez em um palco.- Acho importante dar o melhor de mim sempre, tentar fazer as coisas diferentes. Acho que é uma prova de amor ao público tentar melhorar,surpreender.
Rádio cobrou jabá para tocar música lançada na Internet
Desde que estreou, em 1999, Ana Carolina lançou um disco a cada dois anos, sendo o único intervalo o referente ao projeto "Ana e Jorge". Para ela, é o tempo natural de se desenvolver um projeto. Por isso tinha mais de 40 canções prontas da última vez que entrou em estúdio.- Não tenho uma lógica comum de compor. Posso criar um método racional que sirva como um caminho, seguindo os preceitos de um movimento chamado Eulipo, que tinha como ideólogos Georges Perec e Italo Calvino. Mas outras canções são só amor. "Cabide", que fiz para Mart'nália, foi assim. Passou um filme na minha cabeça com ela tomando todas, andando com aquele jeitão pela Lapa.Nesse processo, entre métodos e a liberdade, ela lembra da parceria com Tom Zé em "Unimultiplicidade", uma crítica à corrupção:- Não tínhamos CD, nada. Lançamos na Internet por desencargo de consciência. Não é que veio alguém de uma rádio me pedir jabá! Ouvi uma frase ótima em não sei qual filme: "Os políticos, pelo mesmo motivo que as fraldas,têm que ser trocados constantemente."Para quando Ana Carolina citar a frase outra vez, aqui vai o nome do filme: "O homem do ano", de Barry Levinson.
Fonte: O Globo de 09/07/2007 ( http://www.experimenteoglobo.com.br/flip/?idEdicao=a107d1c889d0d4fe91ec5a154b6f3734&idCaderno=73f623ca7d54cc1ec852a0e4d0e929e3&page2go=1&origem=4 )